No ano em que se comemoravam dois centenários expressivos para a cultura brasileira — o de nascimento de Guimarães Rosa e o de morte de Machado de Assis, apenas o segundo obteve repercussão à altura do maior nome nacional na área. Reedições da obra, descoberta de aspectos pouco evidenciados, celebrações em semanas e encontros por todo o país culminaram com a bela adaptação da obra-prima ‘Dom Casmurro’ para a tevê, na forma da revolucionária minissérie ‘Capitu’, de Luiz Fernando Carvalho. Do criador de ‘Grande sertão: veredas’, vieram algumas reedições, seminários e análises, mas nada que alcançasse a grandiosidade de uma obra magna.
Na esteira de outras crises desencadeadas pela pouca prioridade dada à política cultural no país e no Distrito Federal, em particular, o público da capital chegou ao cúmulo de assistir à falta de luz na Feira do Livro, em setembro. Desentendimentos entre organizadores e a Secretaria de Cultura em torno do recurso a ser disponibilizado para o evento provocaram conflitos. Os expositores ameaçaram fechar as portas antes do último dia. O secretário alegou que eles não haviam cumprido trâmites obrigatórios. Perdeu o público, que teve uma feira mais comercial e menos cultural e que, mesmo assim, pouco encontrou de inovador.
A boa nova veio de uma pesquisa nacional que apontou o crescimento nos números relativos à leitura no país. Até a venda de livros porta a porta sentiu os efeitos do maior interesse do brasileiro pelas letras, fato para o qual contribuiu a proliferação de feiras e festas literárias por todo o país: Paraty, Porto Alegre, Porto de Galinhas, Ouro Preto, sem falar nos eventos correlatos menores, como as Primaveras de Livros que movimentam livreiros e consumidores em menor escala.
No plano internacional, o principal prêmio, em prestígio e dinheiro, o Nobel de Literatura, reconheceu a obra do francês J.M.G. Le Clézio, pela capacidade de “ruptura e aventura”. O Prêmio Camões, que destaca obras em língua portuguesa, foi para o baiano João Ubaldo Ribeiro. No Brasil, reinou o catarinense Cristovão Tezza, que papou as principais láureas literárias.
Camões baiano
Em julho, o baiano João Ubaldo Ribeiro tornou-se o oitavo escritor brasileiro a ganhar o Prêmio Camões, criado em 1988 pelos governos de Portugal e Brasil e concedido a autores de língua portuguesa. Pela Objetiva, lançou recentemente ‘O rei da noite’, coletânea de 34 crônicas nas quais descreve, com ironia e piadas, as peripécias vividas pelo escritor para se enquadrar no conceito “qualidade de vida”. Também traz lembranças da Ilha de Itaparica (BA), onde nasceu em 1941, de Aracaju — onde se criou —, histórias de amigos, observações sobre a velhice e curiosidades referentes ao ofício de escrever.
Coelho encalhado
Lançado com estrondo pela Editora Agir, o 12º livro de Paulo Coelho, ‘O vencedor está só’, invadiu as prateleiras das livrarias em agosto com 200 mil exemplares, em embalagem de luxo. Dentro, o autor constrói uma trama policial inverossímil, ambientada no Festival de Cinema de Cannes, por onde circulam atrizes, modelos, magnatas e um serial killer russo. A obra engatinhou algumas semanas na lista dos mais vendidos até sumir de vez. Bem diferente de ‘O alquimista’, lançado pelo escritor há 20 anos e sedimentado em primeiro lugar na relação de best-sellers em 18 países, com saldo de 41 milhões de cópias vendidas. Em outubro, na Feira do Livro de Frankfurt, o carioca de 61 anos recebeu honraria inédita: uma placa do Guinness pela incrível marca de 100 milhões de livros vendidos. A façanha é escorada em 67 traduções em 160 países.
O riso de Tezza
O catarinense Cristóvão Tezza arrebatou os principais prêmios literários com o romance ‘O filho eterno’, publicado pela Record, em julho de 2007, e já na segunda edição. O livro levou o Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, o Jabuti de melhor romance, o Prêmio São Paulo de Literatura, o Bravo de livro do ano e o da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor obra. Nela, o narrador descreve, em primeira pessoa, o choque e a vergonha de ter um filho com síndrome de Down, numa época em que diferenças ainda não eram tema de campanhas de direitos. Uma lembrança cruel lhe rende certo alívio: pensar que essas crianças acabam morrendo cedo. É o 13º livro de Tezza, lançado também na Itália e em Portugal e com editoras contratadas na França, Espanha, Holanda, Austrália e Nova Zelândia.
Nobel de ruptura
O francês Jean-Marie Gustave Le Clézio foi o ganhador do Nobel de Literatura, anunciado em outubro. “Escritor de ruptura, da aventura poética e do êxtase sensual, é um explorador da humanidade além e abaixo da civilização reinante”, justificou a Academia Sueca, que concede prêmio equivalente a R$ 3,4 milhões. Com sina de viajante, o escritor se consagrou com o romance Désert, mas tem também, entre os destaques em sua obra os títulos La fièvre, L’extase matérielle, Terra amata e outros. No Brasil, foram traduzidos O deserto, A procura do ouro, A quarentena, Peixe dourado, O africano e Ballaciner.
Diálogos em Paraty
Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), 42 autores brasileiros e estrangeiros se reuniram para debater os diálogos da literatura com áreas como cinema, teatro e quadrinhos. Neil Gaiman, criador de Sandman, levou à pequena cidade fluminense o público mais jovem a participar da Flip. O britânico Tom Stoppard, autor de peças inéditas no Brasil, a psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan, e a cineasta argentina Lucrecia Martel estiveram à frente das sessões mais disputadas da festa, ao lado de Gaiman. A literatura de origem africana ganhou destaque com a presença do angolano Pepetela e da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Em 2008, nenhum Nobel visitou a Flip, mas houve aposta em revelações da produção contemporânea, como o americano Nathan Englander e o alemão Ingo Schulze. Entre os homenageados, Machado de Assis, tema de peças e de brilhante palestra de Roberto Schwarz.
Safra de ouro
Há escritores que não param de trabalhar e chegam a lançar quase um livro por ano. É o caso de Philip Roth, que em 2008 teve editado por aqui ‘Fantasma sai de cena’ e, nos Estados Unidos, ‘Indignation’. Para 2009, está no prelo The humbling. José Saramago, depois de passar por grave doença, completou 86 anos enquanto divulgava no Brasil seu novo romance, ‘A viagem do elefante’. De Salman Rushdie, saiu ‘A feiticeira de Florença’. De Peter Carey, ‘Roubo – Uma história de amor’. ‘A estrada’, de Cormac McCarthy, de 2007, chegou ao Brasil neste ano. De Amós Oz, ‘Rimas da vida e da morte’. De William Boyd, ‘As aventuras de um coração humano’. ‘Homem no escuro’, de Paul Auster. ‘Diário de um ano ruim’, de J.M. Coetzee. ‘História do pranto’, de Alan Pauls. ‘A cidade das palavras’, de Alberto Manguel. Entre os autores em língua portuguesa, também muita coisa importante chegou: ‘Rio de flores’, de Miguel Sousa Tavares; ‘Predadores’, de Pepetela; ‘Nação crioula’, de José Eduardo Agualusa; ‘A eternidade e o desejo’, de Inês Pedrosa; ‘Venenos de deus, remédios do diabo’, de Mia Couto; e, de Gonçalo M. Tavares, ‘Histórias falsas’ e ‘O senhor Walser’.
Fonte: Correio Braziliense
Na esteira de outras crises desencadeadas pela pouca prioridade dada à política cultural no país e no Distrito Federal, em particular, o público da capital chegou ao cúmulo de assistir à falta de luz na Feira do Livro, em setembro. Desentendimentos entre organizadores e a Secretaria de Cultura em torno do recurso a ser disponibilizado para o evento provocaram conflitos. Os expositores ameaçaram fechar as portas antes do último dia. O secretário alegou que eles não haviam cumprido trâmites obrigatórios. Perdeu o público, que teve uma feira mais comercial e menos cultural e que, mesmo assim, pouco encontrou de inovador.
A boa nova veio de uma pesquisa nacional que apontou o crescimento nos números relativos à leitura no país. Até a venda de livros porta a porta sentiu os efeitos do maior interesse do brasileiro pelas letras, fato para o qual contribuiu a proliferação de feiras e festas literárias por todo o país: Paraty, Porto Alegre, Porto de Galinhas, Ouro Preto, sem falar nos eventos correlatos menores, como as Primaveras de Livros que movimentam livreiros e consumidores em menor escala.
No plano internacional, o principal prêmio, em prestígio e dinheiro, o Nobel de Literatura, reconheceu a obra do francês J.M.G. Le Clézio, pela capacidade de “ruptura e aventura”. O Prêmio Camões, que destaca obras em língua portuguesa, foi para o baiano João Ubaldo Ribeiro. No Brasil, reinou o catarinense Cristovão Tezza, que papou as principais láureas literárias.
Camões baiano
Em julho, o baiano João Ubaldo Ribeiro tornou-se o oitavo escritor brasileiro a ganhar o Prêmio Camões, criado em 1988 pelos governos de Portugal e Brasil e concedido a autores de língua portuguesa. Pela Objetiva, lançou recentemente ‘O rei da noite’, coletânea de 34 crônicas nas quais descreve, com ironia e piadas, as peripécias vividas pelo escritor para se enquadrar no conceito “qualidade de vida”. Também traz lembranças da Ilha de Itaparica (BA), onde nasceu em 1941, de Aracaju — onde se criou —, histórias de amigos, observações sobre a velhice e curiosidades referentes ao ofício de escrever.
Coelho encalhado
Lançado com estrondo pela Editora Agir, o 12º livro de Paulo Coelho, ‘O vencedor está só’, invadiu as prateleiras das livrarias em agosto com 200 mil exemplares, em embalagem de luxo. Dentro, o autor constrói uma trama policial inverossímil, ambientada no Festival de Cinema de Cannes, por onde circulam atrizes, modelos, magnatas e um serial killer russo. A obra engatinhou algumas semanas na lista dos mais vendidos até sumir de vez. Bem diferente de ‘O alquimista’, lançado pelo escritor há 20 anos e sedimentado em primeiro lugar na relação de best-sellers em 18 países, com saldo de 41 milhões de cópias vendidas. Em outubro, na Feira do Livro de Frankfurt, o carioca de 61 anos recebeu honraria inédita: uma placa do Guinness pela incrível marca de 100 milhões de livros vendidos. A façanha é escorada em 67 traduções em 160 países.
O riso de Tezza
O catarinense Cristóvão Tezza arrebatou os principais prêmios literários com o romance ‘O filho eterno’, publicado pela Record, em julho de 2007, e já na segunda edição. O livro levou o Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, o Jabuti de melhor romance, o Prêmio São Paulo de Literatura, o Bravo de livro do ano e o da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor obra. Nela, o narrador descreve, em primeira pessoa, o choque e a vergonha de ter um filho com síndrome de Down, numa época em que diferenças ainda não eram tema de campanhas de direitos. Uma lembrança cruel lhe rende certo alívio: pensar que essas crianças acabam morrendo cedo. É o 13º livro de Tezza, lançado também na Itália e em Portugal e com editoras contratadas na França, Espanha, Holanda, Austrália e Nova Zelândia.
Nobel de ruptura
O francês Jean-Marie Gustave Le Clézio foi o ganhador do Nobel de Literatura, anunciado em outubro. “Escritor de ruptura, da aventura poética e do êxtase sensual, é um explorador da humanidade além e abaixo da civilização reinante”, justificou a Academia Sueca, que concede prêmio equivalente a R$ 3,4 milhões. Com sina de viajante, o escritor se consagrou com o romance Désert, mas tem também, entre os destaques em sua obra os títulos La fièvre, L’extase matérielle, Terra amata e outros. No Brasil, foram traduzidos O deserto, A procura do ouro, A quarentena, Peixe dourado, O africano e Ballaciner.
Diálogos em Paraty
Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), 42 autores brasileiros e estrangeiros se reuniram para debater os diálogos da literatura com áreas como cinema, teatro e quadrinhos. Neil Gaiman, criador de Sandman, levou à pequena cidade fluminense o público mais jovem a participar da Flip. O britânico Tom Stoppard, autor de peças inéditas no Brasil, a psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan, e a cineasta argentina Lucrecia Martel estiveram à frente das sessões mais disputadas da festa, ao lado de Gaiman. A literatura de origem africana ganhou destaque com a presença do angolano Pepetela e da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Em 2008, nenhum Nobel visitou a Flip, mas houve aposta em revelações da produção contemporânea, como o americano Nathan Englander e o alemão Ingo Schulze. Entre os homenageados, Machado de Assis, tema de peças e de brilhante palestra de Roberto Schwarz.
Safra de ouro
Há escritores que não param de trabalhar e chegam a lançar quase um livro por ano. É o caso de Philip Roth, que em 2008 teve editado por aqui ‘Fantasma sai de cena’ e, nos Estados Unidos, ‘Indignation’. Para 2009, está no prelo The humbling. José Saramago, depois de passar por grave doença, completou 86 anos enquanto divulgava no Brasil seu novo romance, ‘A viagem do elefante’. De Salman Rushdie, saiu ‘A feiticeira de Florença’. De Peter Carey, ‘Roubo – Uma história de amor’. ‘A estrada’, de Cormac McCarthy, de 2007, chegou ao Brasil neste ano. De Amós Oz, ‘Rimas da vida e da morte’. De William Boyd, ‘As aventuras de um coração humano’. ‘Homem no escuro’, de Paul Auster. ‘Diário de um ano ruim’, de J.M. Coetzee. ‘História do pranto’, de Alan Pauls. ‘A cidade das palavras’, de Alberto Manguel. Entre os autores em língua portuguesa, também muita coisa importante chegou: ‘Rio de flores’, de Miguel Sousa Tavares; ‘Predadores’, de Pepetela; ‘Nação crioula’, de José Eduardo Agualusa; ‘A eternidade e o desejo’, de Inês Pedrosa; ‘Venenos de deus, remédios do diabo’, de Mia Couto; e, de Gonçalo M. Tavares, ‘Histórias falsas’ e ‘O senhor Walser’.
Fonte: Correio Braziliense
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